O Dia Internacional do Livro Infantil é celebrado em 2 de abril, aniversário de Hans Christian Andersen, autor de A Pequena Vendedora de Fósforos, O Patinho Feio, A Pequena Sereia. Todos os anos nesta data, a International Board on Books for Young People (IBBY) seleciona um país para patrociná-la e homenagear a literatura infantil.
O país escolhido em 2020 foi a Eslovênia, que definiu o tema “Uma Fome de Palavras” e selecionou Peter Svetina para elaborar a mensagem e Damijan Stepančič para ilustrar o pôster. Reproduzimos abaixo, na íntegra, o texto de Peter traduzido do inglês e a imagem de Damijan.
Uma Fome de Palavras
Onde eu vivo, os arbustos se tornam verdes no final de abril e no começo de maio, e logo ficam cheios de casulos de borboletas. Eles se parecem com bolinhas de algodão, ou de algodão doce, e as pupas devoram folha por folha até esvaziar os galhos. Quando terminam de se desenvolver, as borboletas voam para longe, mas os arbustos não ficam destruídos. Quando chega o verão, eles se tornam verdes novamente, toda vez, sem exceção.
Esta é a imagem de um escritor, de um poeta. Ele é devorado, seu sangue é todo tomado por suas histórias e poesia, que, quando estão prontas, voam para longe, pousam em livros e encontram sua audiência. Isso se repete de novo e de novo.
E o que acontece com esses poemas e histórias?
Eu conheço um menino que precisou passar por uma cirurgia nos olhos. Durante duas semanas após a operação, ele só pode se deitar apoiando o lado direito, e depois disso não pode ler nada por um mês. Quando finalmente tomou um livro nas mãos um mês e meio depois, ele sentiu como se estivesse pegando as palavras de uma tigela, às colheradas. Como se estivesse comendo-as. Literalmente comendo-as.
E eu conheço uma menina que cresceu e se tornou professora. Ela me disse: crianças que não escutaram histórias lidas pelos pais são pobres.
As palavras em histórias e poemas são comida. Não para o corpo, não do tipo que enche o estômago. Mas comida para o espiríto e para a alma.
Quando alguém está com fome ou sede, seu estômago se contrai e sua boca se torna seca. Essa pessoa busca por qualquer coisa para comer, um pedaço de pão, uma tigela de arroz ou milho, um peixe ou uma banana. Quanto mais cresce a fome, mais limitado fica seu foco, ela se torna cega para tudo exceto para a comida que pode saciá-la.
A fome de palavras se manifesta de forma diferente: como melancolia, ignorância, arrogância. As pessoas sofrendo desta fome não percebem que suas almas estão tremendo de frio, que estão passando por si mesmas sem perceber. Uma parte de seu mundo está se esvaindo sem que elas sequer saibam.
Esta fome é saciada por poemas e histórias.
Mas existe esperança para aqueles que nunca tiveram o prazer das palavras para saciar esta fome?
Existe. O menino lê, quase todos os dias. A menina que cresceu e se tornou professora conta histórias para seus alunos. Toda sexta-feira. Toda semana. E se acontecer de ela se esquecer, as crianças com certeza a lembrarão.
E o escritor e o poeta? Quando o verão chegar, eles se tornarão verdes novamente. E, mais uma vez, serão devorados por suas histórias e seus poemas que depois voarão em todas as direções. De novo e de novo.
Escrito por Peter Svetina para o 2020 ICBD – International Board on Books for Young People. Traduzido do inglês por Giovanna Chinellato – Instituto Fazenda São Pedro.